«Depois da anunciada penúria do IILP, agora foi o VOC. Quem tentava lá entrar, recebia uma resposta em inglês: “Congratulations!” Catorze dias depois, reagindo a este texto, ressuscitaram-no.»
A saga dos que lutam contra a aberração ortográfica, instalada em Portugal, continua.
Mais um esclarecedor texto de Nuno Pacheco, publicado no Jornal Público.
E os que acham que o AO90 está para ficar, enganam-se. Andam a arrastar por aí um cadáver, e nem sequer se dão conta disso.
Texto de Nuno Pacheco
«Sinto-me honrado. Nunca me deram os parabéns tantas vezes e em tão pouco tempo. Por algum texto? Por fazer anos? Nada disso. A história é mais bizarra. Começa numa mania que mantenho com regularidade: consultar o chamado Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa (dito VOC) do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP), de nome pomposo e misérrimas vestes, para ver se algo mudou ou para confirmar o monumental absurdo de tal “empresa”. Devo ser, aliás, um dos raríssimos visitantes daquela inutilidade, criada na sequência do enorme embuste que foi o Acordo Ortográfico de 1990 (AO90).
Mas no dia 13, ao clicar no VOC, deram-me os parabéns. E em inglês: “Congratulations!” Como naquelas mensagens que nos dizem, matreiramente, que ganhámos qualquer coisa para depois nos levarem à certa. Pensei que era um erro e insisti: parabéns outra vez. Não podia ser. Tentei mais tarde e a coisa repetiu-se. Nesse dia e nos seguintes. Até ontem. Esteve assim durante semana e meia e ninguém deu por nada. Nenhuma explicação, nenhum pedido de desculpas (género “estamos a remodelar o VOC, voltaremos em breve”). Silêncio total.
Só a mensagem ali continuava a repetir-se, impassível. Soube, entretanto, que já no dia 9 alguém tentara entrar no VOC e tivera a mesma resposta. Primeiro, um “Congratulations!” em letras grandes. Depois isto: “You’ve successfully started the Nginx Proxy Manager. If you’re seeing this site then you’re trying to access a host that isn’t set up yet. Log in to the Admin panel to get started.” Pois. Trocando em miúdos: isto não está configurado; ou o lugar onde esta coisa estava alojada fechou-lhe as portas. Pelos vistos, o cheque “extraordinário” de 200 mil euros enviado por Portugal chegou tarde… Adeus!
Quem não chegou a conhecer o defunto, ainda pode espreitar uma “foto” esquecida algures no infinito espaço virtual. Basta carregar em iilp.cplp.org/voc/ e lá aparece a Página Inicial do dito VOC, mas sem nenhum préstimo, pois apesar de ainda ter algumas ligações activas, nenhuma delas vai dar ao vocabulário. Lá estão, à esquerda, as nove bandeirinhas, mas de nada vale tentar clicar nelas. Antigamente, lia-se: “Selecione [sic] a versão do VOC a usar”. Isto significava carregar numa das oito bandeirinhas correspondentes aos países da CPLP ou então numa outra, a nona, que era uma espécie de saco-de-gatos com todas as variantes lá dentro. Quando funcionava, clicava-se em três bandeiras e não dava nada: Angola, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe (os dois primeiros países não ratificaram o AO90; e São Tomé ratificou-o, em condições mais que duvidosas, mas não tem vocabulário que se veja). As restantes conduziam a cinco vocabulários com nomes diferentes: Vocabulário Ortográfico Cabo-Verdiano da Língua Portuguesa, Vocabulário Ortográfico Moçambicano da Língua Portuguesa, Vocabulário Ortográfico de Timor-Leste, todos eles incorporando o nome dos respectivos países, e os dois restantes sem identificação nacional: Vocabulário Ortográfico do Português (o de Portugal) e Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (o do Brasil). Para quem prometia um Vocabulário Ortográfico Comum, esta multiplicação é patética.
Quanto ao defunto, e depois de várias buscas, eis que surge em linha uma luz: um “Concurso Internacional de Design de Projetos do IILP”, pretendendo dar “a oportunidade a um talento do design de criar duas marcas para dois projetos” [sic], sendo um deles o VOC. Ora aqui está: o vocabulário vai ser remodelado, e ainda que péssimo vai ter nova cara. Puro engano: o anúncio é de 2013 e diz isto [sic]: “O projeto VOC – Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa, visa implementar em uma plataforma digital o vocabulário oficial da Língua Portuguesa, constituído de forma inovadora pela soma dos diversos Vocabulários Ortográficos Nacionais (VON), dos países da CPLP. A partir dos Vocabulários Nacionais de Angola, Brasil, Cabo Verde, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste, o Vocabulário Comum da Língua Portuguesa, pela primeira vez, incluirá numa grande base de dados lexicais de gestão comum, o vocabulário de todos os países escrito na nova ortografia, com inúmeras utilidades, o que abrirá uma fase nova para a língua portuguesa.” Vírgulas fora do sítio e o “esquecimento” da Guiné-Bissau são mesmo do texto, aqui em transcrição literal.
É duvidoso que algum “talento do design” tenha arriscado nome e tempo em tal façanha, pois o resultado, tanto gráfico como utilitário, sempre foi miserável. A “fase nova” para a língua portuguesa também está à vista e não se recomenda. O que vão fazer, então, as baixíssimas “altas instâncias”? Passar mais cheques? Ou aceitar de vez o funeral, levando por arrasto no féretro o IILP (que sem VOC deixa de ter qualquer justificação) e o Acordo Ortográfico de má memória, que desuniu em vez de unir o amplo espaço da Língua Portuguesa? Decidam depressa, que o cadáver começa a entrar em decomposição e urge o respectivo enterro. E desactivem lá o “congratulations” – ao menos ali, dêem-nos os parabéns em português!
P.S.: – Anotem esta data: ao 14.º dia de silêncio, o VOC ressuscitou do seu estado publicamente cadavérico: precisamente às 12 horas e 4 minutos de 23 de Janeiro de 2020, quatro horas e 34 minutos após a publicação desta crónica. Percebe-se: no estado declarado de penúria em que se encontra, o IILP não devia ter dinheiro para o funeral. Só que o morto ressuscitou tal qual fenecera – ou seja, mau. Podiam ter aproveitado os 14 dias para melhorar alguma coisinha. Mas isso dá muito trabalho. Fácil é repor o que não presta. E de preferência sem comentários, porque não há nem haverá (escrevo isto para que haja, já que eles são muito mais rápidos a contrariar os outros), em todo o sítio do IILP, uma explicação, mais do que devida, para esta falha anormal e aberrante. Enquanto isso, entretêm-se a fingir que propagam a língua portuguesa aos quatro ventos no Universo. Pobres de nós...
Fonte:
Se os nossos governantes tivessem um pingo de dignidade e de lucidez não participariam nesta fantochada. Mas participaram.
Envergonhei-me e indignei-me ao ouvir o presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, dizer hipocritamente que «não podemos abdicar de valores fundamentais», quando, inacreditavelmente, ele próprio e o Estado Português estão a abdicar de um dos valores mais fundamentais do Povo português: a Língua Portuguesa, que não só identifica esse povo como o País.
Que comunidade? A dos oito irmãos gémeos? Digo oito porque nem sequer conto a Guiné Equatorial que está aqui como um peixe fora d’água. A maior riqueza desta Comunidade é a sua diversidade cultural e linguística, que uns tantos idiotas pretendem que se unifique, esquecendo-se de que jamais poderá haver unificação, e essa coisa do Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa (VOC) é uma grande parvoíce, e não serve para nada. Ninguém tenha qualquer dúvida.
(Foto: TIAGO PETINGA/LUSA)
E fantochada porquê?
Porque a CPLP aprovou uma recomendação de "esforços para implementação do Acordo Ortográfico, instando à sua ratificação e ao estabelecimento de formas de cooperação efectiva para a elaboração dos Vocabulários Ortográficos Nacionais (VON)".
Que “acordo ortográfico”? Que vocabulários ortográficos nacionais? Não seria da inteligência cada país ficar com a sua cultura linguística intacta? Culturalmente, esta idiotice de unificar vocabulários, que de per si são riquíssimos, é um monumental disparate, que só servirá para empobrecer a Língua dos oito países ditos lusófonos.
Sabendo-se, como todos sabemos, que estamos diante de um putrefacto cadáver ortográfico, nado-morto há 28 anos, e outros tantos anos a ser contestado por milhões de falantes e escreventes de Língua Portuguesa, em todo o mundo, não serve absolutamente a ninguém, a não ser ao Brasil, que mutilou a Língua Portuguesa, em 1943, obrigando os Brasileiros a adoptarem a ortografia que, na sua generalidade, agora chamam de AO90, transformando-a numdialecto, tendo a pretensão de o impor, agora, ao mundo dito lusófono, para que, entretanto, se mude o nome ao dialecto, enterrando-se a Língua Portuguesa, e fazendo nascer a tão desejada, há tão longo tempo, Língua Brasileira. Tão certo, como eu estar aqui a escrever isto.
A CPLP foi fazer esta cimeira em Cabo Verde, um país que ratificou o nado-morto AO90 e, logo a seguir, adoptou como língua oficial o Crioulo Cabo-verdiano, passando a Língua Portuguesa para língua estrangeira, no que, diga-se de passagem, fez muito bem.
Só este facto já não lhe daria direito a integrar a Comunidade de Países de Língua Portuguesa - CPLP (aliás uma inútil, porque estéril, comunidade, funcionando apenas como um “tacho” para muita gente).
Bem como é absurdo a integração da Guiné Equatorial, que tem como língua oficiais, em primeiro lugar o Castelhano, e em segundo lugar o Francês, e, recentemente, em terceiro lugar, vá-se lá saber por que interesses ocultos, o Português, que nem o presidente da Guiné Equatorial fala, nem outro qualquer cidadão guineense-equatoriano.
Tenham vergonha na cara, senhores governantes portugueses!
Fizeram um papel muito triste, de uma monumental e vergonhosa subserviência a interesses que não interessam a Portugal, nem a milhares de Portugueses, e quiçá, a Angola, a Moçambique, à Guiné-Bissau e a Timor-Leste (que nem sequer aderiu), Estados que não ratificaram o AO90. Cabo Verde está fora disto, porque o Português, para os cabo-verdianos já é língua estrangeira; então só resta São Tomé e Príncipe, onde se fala mais dialectos do que Português, e o gigante Brasil, que se quer impor ao mundo, tramando Portugal e a Língua Portuguesa, coma sua Variante Brasileira do Português.
A par desta inútil CPLP, existe o também inútil Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP), um veículo de “projetos” – palavra oriunda da grafia brasileira “projetos” (leia-se prujêtus) que estão a destruir a diversidade linguística e a beleza formal da nossa Língua Portuguesa. E diz-se que os nove (pois, nove!) Estados-membros tomaram nota, com satisfação, do que chamaram dinâmica desenvolvida pelo IILP, ou seja, ficaram satisfeitos (incluindo os péssimos representantes de Portugal) com a destruição que está a ser levada a cabo. Isto não é de doidos?
Concluindo a narrativa desta fantochada, façamos um apanhado:
Dos oito países ditos lusófonos, apenas quatro ratificaram o nado-morto AO90: Portugal, Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe; e desses quatro, Cabo Verde já está fora, portanto sobram três: Portugal, o mais subserviente, vá-se lá saber porquê; o Brasil que se está nas tintas para este acordo, pois não lhe faz mossa nenhuma, muito pelo contrário; e São Tomé e Príncipe, que é muito engraçado: ali, o Português é língua oficial e nacional, mas é falado virtualmente, ou seja, quase ninguém o fala, porque ali são faladas as variantes reestruturadas, desenvolvidas localmente do Português ou crioulos portugueses como o forro, o angolar e o principense ou moncó. O crioulo cabo-verdiano é também bastante falado no país, além do “português” dos Tongas e resquícios de línguas do grupo bantu. Actualmente o Francês e o Inglês estão a impor-se e são profusamente falados no país. Portanto, com este panorama, São Tomé e Príncipe só virtualmente é um país lusófono. E sobram dois: Portugal e Brasil.
Os outros quatro países, Angola, Moçambique e Guiné-Bissau não ratificaram o AO90, e Timor-Leste nem sequer aderiu. E muito menos a Guiné Equatorial, que está na lusofonia por outros interesses que não os da Língua.
Ora aqui levanta-se uma questão: estarão Angola, Moçambique e Guiné-Bissau a elaborar "vocabulários ortográficos nacionais", como se já tivessem ratificado o tal acordo? Isto seria passar um atestado de parvoíce a si próprios, ou não?
Outra questão: se o Acordo Ortográfico de 1990 preconiza um único "vocabulário ortográfico comum", para que servirão os vocabulários ortográficos nacionais? Em vez de um teremos sete (não contando com Timor-Leste, que está a leste – e que bem está - deste inferno ortográfico)?
Esta cimeira foi ou não foi uma fantochada?
E pensar que nesta fantochada estiveram envolvidos o presidente da República Portuguesa, o primeiro-ministro e o ministro dos Negócios dos Estrangeiros de Portugal!
Isabel A. Ferreira
Origem da notícia:
. «O vocabulário oficial do...